Tueday Dropkick [65] – Uma questão de peso

Durante o tempo que vejo wrestling já gostei e odiei muitos lutadores. Principalmente no período em que desconhecia por completo o que está por trás desta modalidade que nos encanta. Em que não conhecia blogues, não sabia o que era um spoiler, muito menos o keyfabe. E não posso dizer que não era feliz assim…
Digamos que, nos primórdios, era um fã como a WWE gostava que todos fossem. Apoiava incondicionalmente todo e qualquer face e odiava os heels. Um mark, no verdadeiro sentido da palavra.
Mas posso garantir que foi este o período em que vibrava mais com o wrestling. A minha cegueira sobre tudo o que estava por trás permitia-me ser livre para acreditar no que via e nunca questionar. Claro que a minha idade precoce ajudava muito a que não fizesse agitar as águas. Acreditava em tudo porque, no fundo, era assim que queria que fosse. E assim seguia, enganando-me a mim próprio.
Ora, como referi no início, neste período odiava (e era mesmo ódio) a alguns lutadores heel, que derrotavam os “meus”. Nomes como Bam Bam Bigelow, Razor Ramon ou o IRS. Com a abrir dos olhos, chamemos-lhe assim, deu-se um fenómeno curiso. Passei a adorar e venerar o trabalho desses homens que, em tempos, fizeram com que eu os odiasse.
O principal era, sem sombra de dúvida, Yokozuna.
Rodney Anoia era mais um wrestler samoano, da extensa família que começou a ganhar nome com os “Wild Samoans”, mas que apenas começou a atingir o estrelato quando adoptou, em kayfabe, a nacionalidade japonesa. Juntamente com Mr. Fuji, que desempenhou um grande papel como seu manager e com ligações ocasionais aos outrora faces, Crush ou Owen Hart, nenhum outro wrestler, até hoje, conseguiu com que eu o odiasse tanto.
O peso de Yokozuna (para lá das 400 libras, como diria o saudoso Tarzan Taborda) foi, ao mesmo tempo, a causa do seu sucesso e consequente queda até à morte.
Não era preciso argumentar muito para justificar a corrida de Yokozuna ao título mundial, que começou a ter início com a vitória no Royal Rumble de 1993. Ele era imbatível, passou meses a squashar pobres indivíduos de modo a ganhar esse estatuto.
Foram criadas competições apenas com o intuito de o fazer tombar ou de lhe efectuar um “bodyslam”.
Foi “Hacksaw” Jim Duggan o primeiro a conseguir derrubar o monstro num combate. Lembro-me perfeitamente de assistir ao mesmo na RTP. No final, com o público em êxtase perante tamanho feito (lembrem-se dos valores patrióticos passados pela personagem de Duggan e que Yokozuna subia sempre ao ringue com a bandeira do Japão), só o sal atirado por Fuji impediu que a glória fosse maior.
Esse sal era outra das características deste lutador. Apresentado como um antigo campeão de sumo, onde o sal é uma das imagens de marca, Yokozuna raramente sentia dificuldades para vencer um combate, mas, quando acontecia, o seu manager Mr. Fuji facilitava a vitória atirando sal para os olhos do adversário.
Foi assim com Duggan e foi assim com Bret Hart, na Wrestlemania IX, permitindo a Yoko sagrar-se campeão mundial pela primeira vez. Um reinado que começou e acabou na Wrestlemania, pois, num dos mais patéticos finais de sempre de uma Wrestlemania, Mr. Fuji desafiou Hulk Hogan para enfrentar Yokozuna pelo título. Hogan aceitou, Fuji atingiu o seu adido acidentalmente com sal e Hogan conseguiu a vitória e o título.
Yoko haveria de recuperar o título no King of The Ring e seguiu depois em feud com Lex Luger, mais um herói americano, o primeiro a conseguir fazer um bodyslam ao monstro.
No entanto, haveria de ser Bret Hart a tirar o título ao “japonês”, na Wrestlemania seguinte.
A partir daqui, o poder de Yokozuna na WWF diminuiu drasticamente. Muitos lutadores começaram a recusar combater com ele, devido ao seu peso e falta de mobilidade. O seu finisher, o Banzai Drop, foi responsável por partir algumas costelas, mais um dado que assustava possíveis adversários.
A WWF começou então uma jornada para que Yokozuna perdesse peso. Vince McMahon terá, inclusive, feito um ultimato ao lutador: “Ou perdes peso ou és despedido”.
A resistência de Yokozuna estava longe de ser grande e, por isso, Vince colocou-o numa tag team. Primeiro com Crush, uma tentativa falhada, mas depois, com Owen Hart, a causar grande impacto e a lançar as bases para a feud memorável entre Owen e Bret.
O ano de 1996 haveria de ser o último de Yokozuna na WWE. Numa altura em que já não era acompanhado por Fuji e tinha feito um face turn, foi simulada uma lesão num combate com Vader, para que Yoko se retirasse por uns tempos para perder peso. Se não o fizesse, Vince iria mesmo despedi-lo.
Nesse combate, Yoko não foi retirado em maca, como habitualmente acontece com os lutadores lesionados. Foi necessário o recurso a uma empilhadora, a única forma de mover um homem daquele tamanho.
O seu último combate aconteceu no Survivor Series desse ano, mas a WWF não quebrou de imediato a relação com o lutador. Continuou a apoiá-lo mas exigia-lhe que perdesse muito peso. Com uma forte dieta e exercício regular, Yokozuna conseguiu perder bastante peso. Mas não o suficiente para os padrões da companhia .
Vince sabia que fazer lutar um homem daquele tamanho era um risco enorme e estava longe de querer a má publicidade que um ataque cardíaco a meio de um combate poderia proporcionar.
Yokozuna perdeu o peso que era possível perder. Mais do que aquilo simplesmente ele não conseguia e, assim, Vince terminou o vínculo que ligava as duas partes.
Corriam muitas histórias sobre os hábitos alimentares de Yokozuna. Dizia-se que era capaz de ingerir de uma só vez, três dúzias de ovos fritos, meio quilo de bacon, um litro de sumo de laranja e seis ou sete panquecas. Sintomático.
Como pessoa, Yokozuna era descrito como adorável. The Rock dizia que ele “estava sempre a contar piadas” e Owen Hart “que era muito boa pessoa, alguém em quem se podia confiar para fazer um combate”.
Acabou por falecer vítima do inevitável ataque cardíaco, quando a sua mobilidade (ou a falta dela) já não lhe permitiam dar um combate minimamente decente. Aliás, tinha dificuldades em arranjar trabalho, pois alguns estados americanos impediam um homem com o seu peso de combater.
A característica que foi o passaporte para o sucesso, haveria de ser o seu guia de marcha para o outro mundo. Por muito que se possa argumentar, tudo não passou de uma questão de peso.
Para a semana não poderei postar o Dropkick, portanto, volto daqui a 15 dias!
C_YA

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